Ex-amor
Felipe Moura Brasil (Pim)
Agora estamos no mesmo bar, um de cada lado, e só sei de sua presença pelos outros. Não a procuro entre mesas, fregueses e garçons, não sei se me interessa vê-la. Ser visto, quiçá. Se ainda a amo? É estranho isso. Um amor bloqueado, interrompido, metido às pressas no porão sob ameaças de bombardeio. Ele fica esmurrando a porta, tremendo a fechadura, como quem quer subir de volta, mas prefiro acreditar que apenas se exercite, que tenha encontrado turbinas ocultas para, movimentando-se, gerar energia à casa.
Ela pintou o cabelo, me dizem, e me fazem perguntas de sua vida como se eu soubesse responder. Aquela mulher que eles vêem ali, outro dia mesmo, eu estava dentro dela. Todos sabem que é assim. Que você saiu por alguma razão, consciente ou inconsciente, como são as razões. E querem saber qual. Querem entender o que leva duas pessoas a se ignorarem publicamente. Vão se ignorar para sempre? Talvez sim. Vamos viver um de cada lado do bar, cada qual em sua aldeia, com um ou outro garçom levando notícias daqui para lá e de lá para cá.
Mais do que eles, porém, algo nos une a distância. A música. Letras que nos descrevem, letras que nos satirizam, letras que nos aconselham. Melodias que nos decolam, melodias que nos flutuam, melodias que nos aterrissam. Algumas - letras e melodias - suspeitamos de antemão retumbantes na aldeia vizinha e só mesmo o amor pela casa para frear o impulso de dar uma olhadela por cima do muro. O bombardeio vem de dentro. É como se o porão de cá e o de lá tentassem se comunicar em código Morse. Esmurrando a porta. Tremendo a fechadura.
Posso ir embora sem vê-la, mas jamais poderei ir embora sem revivê-la. Há neste bar um homem e uma mulher que se amaram tanto que hoje aqui se ignoram. Ela está linda, eu posso sentir. Tão linda que é melhor deixá-la por lá.
Quase amor
Felipe Moura Brasil (Pim)
Como são tristes os pactos silenciosos entre aqueles que quase se amaram! Que se seduziram, se tentaram, mas, por algum motivo anterior a eles, não se consolidaram amantes. Eles se encontram numa porta de cinema - entre um ou outro amigo em comum -, ora os dois sozinhos, sabendo-se comprometidos; ora um acompanhado, em desvantagem de olhar; ora os dois em casais, como no velho pagode: “ela e o namorado dela, eu e minha namorada”. E não há o que dizer.
Há o pensamento - indômito! -, ávido por devanear hipóteses e, logo, abafá-las em algum lugar remoto entre o arrependimento e a esperança, o qual manda a razão chamar de sensatez. Como teria sido minha vida com ela? Como teria sido minha vida com ele? Se ao menos aquele jantar tivesse acontecido… Não há tempo verbal mais angustiante – e paralisante - que o futuro do pretérito. Até quando ele vai ter a chance de ser o futuro do presente?
Ex-amores tiveram a sua. Não aproveitaram. Vivem sob o consolo do inevitável, do “não era para ser”, “não dá”, “então diga que valeu”. Quase amores não valeram, ora. Não foram. Não voltaram. Ficaram entalados ali, mesmo quando correspondidos. Correspondidos no quase. No “peraí que eu volto já”. O quase, como o amor, é infinito enquanto dura - mas dura mais. Pode doer menos, mas jamais se esvai. É o triunfo da fantasia sobre a realidade e suas lembranças. Da saudade do que nem começou sobre a saudade do que já se foi. É o pênalti perdido, a bola que não entrou. Fica.
Por um “erro” de cálculo do destino – para não dizer, às vezes, nosso -, não aconteceu. Nunca se ajeitou o tal do timing. “Melhor assim”, dirão aqueles em cuja mentira preferem – ou precisam – crer, todos mestres em colocar defeitos naquilo – e naqueles - que não possuem. É o mecanismo de defesa da vida que segue, da bola pra frente, do vamos com tudo que a carroça - mais que a fila - tem que andar. E talvez elas – as carroças – se esbarrem mesmo lá na frente, onde o silêncio poderá ao menos dar palavra a um gesto, embora não, não nos guiemos pela possibilidade, sabe-se lá, vindoura.
Como são tristes os pactos silenciosos entre aqueles que quase se amaram! Eles trocam pensamentos ininteligíveis uns com os outros, e depois, descaradamente, se viram para seus atuais – e quiçá vitalícios – amores – ou tão somente amores, grandes amores, quem dirá que não? -, num abraço arrebatado de uma saudade que não lhes pertence, ou num telefonema carregado de um desejo que não despertaram, como se descarregassem silêncios antigos em quem agora lhes é de direito. Ah, como são verdadeiros os falsos gestos de amor! O que seria amar senão descarregar em alguém todo – ou quase todo - o nosso amor acumulado? Sorte a de quem passou do quase, e tem hoje quem o descarregue em si.
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